17.11.12

Leitura_ CV

  
“ (...)
- Essa força, como muito bem dizes, meu caro, vem de dentro. Ou se tem, ou não se tem. Não se pode fingir, sem nos enganarmos a nós próprios - retorqui. Tu referiste um conjunto de interesses que te fazem correr. O querer aprender, a pequena, os sonhos.
- E eles não terão os mesmos interesses? Quem não quer aprender, conquistar uma pequena, ou realizar os sonhos? - questionou Osagyefo.
- Repara que juntaste interesses que são meios e interesses que são fins. Aprender, conquistar uma pequena, podem ser apenas meios para atingir um fim, que é a realização dos sonhos, a construção de um futuro de bem estar.
- Aí está. Como poderia ser diferente para eles? - questionou.
- Pode, sim senhor. Repara que digo pode e não que seja diferente. O teu futuro, e o de teus irmãos, vai ter que ser construído por vocês. É certo que eu vou ajudando, disponibilizando matéria-prima e ferramentas. Mas não posso, nem quero, substituir-me a vocês nesse processo. E eles...
- Acha o pai que eles estarão contando com a fortuna dos pais? - Cortou Júnior. É... Pode ser. Tendo o futuro garantido, estudar para quê? Oh! Céus! Será?!
- Não seria o primeiro caso - respondi.
- É. Pode bem ser. Mas eles não fazem contas? Eles são tantos! Quando dividirem a fortuna dos pais entre eles, mesmo que tudo corra bem, cada um vai ter apenas uma pequena fracção do pecúlio da família - raciocinou Júnior.
- Mesmo que a fatia de cada um deles fosse grande. As fortunas não se reciclam autonomamente. Alguém teria que geri-las e ninguém melhor do que os próprios titulares. E desde quanto ignorantes gerem fortunas? Desculpa, pai, mas eles são, sim, uma cambada- proferiu, agastado, Osagyefo.
- Calma, rapaz. Por onde anda a tua tolerância? Nunca julgues os outros, se não queres que os outros te julguem. Eles podem muito bem ser vítimas – desafiei.
- Vítimas? Vão para o liceu de carro, têm um montão de empregados, parecem nadar em dinheiro, gozam de boa saúde. Fala sério, pai.
- Ainda assim podem ser vitimas. Vítimas da educação que receberam e recebem. Que seria de vocês se eu vos passasse a ideia de que não precisam preocupar com o vosso futuro, que estava tudo preparado e à vossa espera?
- Honestamente? Providenciaríamos o teu internamento. Onde já se viu? – riu Osagyefo.
(…)"

António Ludgero Correia. Sapatos de Defunto. Praia.Tipografia Santos, 2007.

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