BANA
-Bana-m es morna!
Hoje, ele vai partir da sua cidade. Um dia, vi uma jovem lisboeta numa casa da Rua do Sol ao Rato descobrir o mundo trazido pela voz do gigante. A ele eu conhecia. Como no poema de Auden, "ele era meu norte, sul, meu leste e oeste", era o sentido da minha vida. Definição de felicidade? Tão simples: o canal de São Vicente com barcos enferrujados e Bana, tão grande, na praia a dizer as palavras de Resposta de segredo cu mar, acompanhado só pelo clarinete de Luís Morais... Se calhar nunca aconteceu, ali, de costas para o Mindelo e com Santo Antão ao longe, mas eu recorro a essa música para justificar o bairro luandense da minha infância, os amigos da adolescência, a ideia do meu mundo. Aliás, só fui ao Mindelo um dia e já lá não estavam nem Bana nem Luís Morais, só os barcos enferrujados e Santo Antão ao fundo. Por isso, quando Bana começou a cantar, na casa de mornas Monte Cara, eu encostei-me à cadeira para estar comigo. Foi quando a vi, à jovem lisboeta, fechar os olhos para estar consigo. E o corpo dela começou a menear-se, lentamente como uma morna pede. E quando Bana calou-se, nem eu nem ela aplaudimos, estávamos demasiado virados para dentro. Percebi que ela tinha ouvido um cantor da sua cidade. Hoje, na sua cidade, Lisboa, Bana vai ser cinzas. E depois vai para o Mindelo, a sua cidade seminal. Mindelo de São Vicente. São Vicente dos flagelados do vento leste. Do vento leste (norte, sul, oeste...) que o vai devolver ao mundo.
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