8.12.10

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(Nota: Bold e Negrito e outros destaques são da autoria do bloguer)


"OPINIÃO: Política

7 Dez, 16:03h
Entrevista a Ondina Ferreira

"O PAICV TEM DE IR PARA A OPOSIÇÃO"

Iria começar por uma velha polémica cabo-verdiana: a discussão sobre a adoção de duas línguas nacionais, nomeadamente, o português e o crioulo.
Ondina Ferreira - Logo a seguir à independência confundiram-se as coisas.

"Já"- O português era a língua do ocupante colonial.
Ondina Ferreira - Mas podia-se ter valorizado o crioulo sem se rejeitar a língua portuguesa. Houve muitas confusões e o problema é que elas prevaleceram, semearam-nas e colheram frutos. Passou-se para os mais novos a impressão de que a língua portuguesa não é nossa. O que é mentira, o português é a língua mais antiga, é a primeira que chegou cá.

"Já"- Parece ter havido tendência para menorizar o estudo do português nas escolas. Talvez até um pouco com o argumento de que, para as crianças, seria uma grande confusão usarem as duas línguas. Mas, na década de 30 do século XX, quando o crioulo foi proibido pelas autoridades coloniais, continuou a falar-se num processo de resistência extraordinário.
Ondina Ferreira - É um facto. E eu sou dessa geração, em que o crioulo era proibido em recintos escolares, mas que falávamos entre nós. Por exemplo, Santiago – e, nomeadamente, Praia – sempre falou mais português do que o Mindelo. Nós, aqui no liceu da Praia, só falávamos português do portão para dentro. Mas, em S. Vicente, os alunos do Gil Eanes falaram sempre em crioulo. De tal maneira que eles atreviam-se, digamos assim, a dirigir-se ao professor em crioulo.

"Já"- Isto, muito antes de 74. O que era, de alguma forma, um ato de rebeldia e de subversão…
Ondina Ferreira - Exato, era um ato subversivo. No Mindelo, porque a Praia era a capital administrativa, onde estava o poder colonial, e, provavelmente por isso, sempre se falou mais o português.
Sociedade matriarcal

"Já"- E o papel da mulher na sociedade cabo-verdiana? Há, de alguma forma, uma espécie de poder oculto, uma sociedade matriarcal. As mulheres trabalham muito mais que os homens e, na maior parte dos casos, são o sustentáculo financeiro das famílias.
Ondina Ferreira - O que diz é verdade. Mas estamos a falar de uma certa camada social. Quando se desce – se é que me é permitido -, em termos de literacia, de alfabetização e de recursos não restam dúvidas que o principal motor económico da família é a mulher. Mas se se vai para um nível mais elevado, em que os cônjuges são ambos escolarizados, aí talvez não se ponha a questão com tanta acuidade.

"Já"- Essa imagem da sociedade matriarcal tenho-a mais pela vivência com os cabo-verdianos da Diáspora, onde a mulher é o centro da economia e da organização familiar.
Ondina Ferreira - Sem dúvida nenhuma, concordo inteiramente.

"Já"- E qual o papel dos inteletuais na política?
Ondina Ferreira - É muito ténue, não se sente. Não sinto esse papel do inteletual, enquanto tal. Um ou outro manifesta a sua tendência, mas é mais partidária do que política. E há uma coisa que me irrita, que é a dos inteletuais não fazerem a apologia do português, fazem do crioulo. E isso é uma grande demagogia. Não querem cair em algum desagrado. Uma vez disse isso, enfrentei os meus pares, caíram-me em cima. Mas fiquei contente por me terem zurzido, no bom sentido, porque significa que houve reação.

"Já"- Esse é também o papel do inteletual: ser uma espécie de agente provocador para suscitar a polémica.
Ondina Ferreira - Mas o que aconteceu com o crioulo, para além desses desmandos que houve… Sofri isso na pele, porque, em casa, falava português, porque era burguesa… Isto era um anátema terrível.

"Já"- Pensa-se de uma maneira em crioulo e de uma outra em português?
Ondina Ferreira - É uma boa pergunta. E eu ponho sempre essa questão aos meus alunos. E tenho respostas das mais interessantes. Já tive respostas a inquéritos onde me dizem que pensam em português mas falam em crioulo. E o contrário também já aconteceu. Os livros são em português e o aluno que domina a língua é imediatamente bom aluno, porque vai entender os conceitos.

"Já"- Como é que se sentiu no dia em que vestiu o “fato” de ministra da Cultura? Para um inteletual, normalmente contra-poder, não é estranho sentar-se na cadeira do poder?
Ondina Ferreira - É isso mesmo. Os intelectuais sempre se caraterizaram por ser um pouco contra-poder. E quando aceitam esses cargos é sempre um pouco a contra-gosto. Para já, porque os ministérios da Cultura são sempre o parente pobre do orçamento, levam umas sobras. E há uma espécie de briga com o meu Eu, o lado inteletual, e o meu Eu política – que tem de executar um programa para o qual praticamente não possui meios. E não fui só eu, deduzo que a atual ministra também padeça do mesmo problema… E antes de mim. (...)"

DO CONTRA-PODER AO GOVERNO
"Já"- A sua passagem pelo governo é a passagem de uma inteletual e de uma mulher por um universo masculino. Há essas duas sensações de estranheza.
Ondina Ferreira - Nós estávamos bem no início desse processo de passagem das mulheres pelo governo. Da minha parte, não me senti mal, mas não posso falar pelos meus colegas da parte masculina. Dirão eles se se sentiram constrangidos, ou não. Muitos estavam a iniciar esse exercício, portanto, foi um exercício em paridade. Não tenho memória de ter havido qualquer choque (risos).

"Já"- E teve também a tutela da Comunicação Social. Isso coincidiu com a pasta da Cultura?
Ondina Ferreira - Coincidiu. Embora pense que a tutela da Comunicação Social é um contra-censo. Ela não deveria ser tutelada. E isso provoca alguns choques…

"Já"- Ultimamente, essa questão tem sido muito enfatizada. Porque o que decorre da nossa relação de telespetadores é vermos, por exemplo, no serviço público de televisão aparecer o primeiro-ministro – que, por acaso é este, mas poderia ser outro – sete vezes no mesmo noticiário e a oposição aparecer uma vez.
Ondina Ferreira - Ou a não aparecer nenhuma, que é normalmente o que acontece.

"Já"- Como é que se consegue resolver este problema, agora e no futuro?
Ondina Ferreira - Em Portugal, por exemplo, há a figura dos provedores.

"Já"- Mas para uma inteletual, que é uma pessoa da liberdade, como é que se resolve a contradição de se viver num Estado de Direito democrático com um serviço público que está ao serviço da propaganda do poder, seja qual for esse poder?
Ondina Ferreira - O perverso é a subvenção do Estado. Porque, como a TCV, por exemplo, não tem auto-sustentação, vivendo de subsídios do governo, acaba por ser um órgão estatizado, criando laços de dependência – o que é mau! E o Estado – aqui no sentido da administração – não abdica de cobrar…
O LADO IRRACIONAL DA POLÍTICA
"Já" - Ainda para mais quando Cabo Verde tem uma espécie de relação passional com a política.
Ondina Ferreira - Em Cabo Verde não se faz política, faz-se partido. E sou de uma ilha em que isso é notório. Não há política, não há programas, há uma partidarite aguda. O Fogo é o protótipo da irracionalidade política – pode escrever! Se eu sou verde e ele é amarelo, o amarelo não fala comigo (risos). Eu provoco as pessoas, cumprimento toda a gente: “boa tarde”… E eles pensam: “como é isto, estou a ser cumprimentado pelo inimigo, pelo adversário?” Adora fazer essas provocações. Mas, na minha família, temos pessoas que vão do PAICV à UCID, passando pelo MpD.

"Já"- E isso tem colocado algum tipo de problemas?
Ondina Ferreira - Naquilo que nos toca, não, valha-me Deus. Juntamo-nos nas festas, nas tocatinas, nos almoços de Natal. E, quando é assim, sobretudo naqueles períodos exacerbados, quando estamos em família e com amigos próximos, evita-se. Há uma grande correção entre as partes adversárias (risos). E quando se discute, defendem as suas cores de forma civilizada. Mas vejo, lá no Fogo, famílias que se zangam umas com as outras.

"Já"- O debate de ideias é menorizado pelas paixões irracionais…
Ondina Ferreira - Sinceramente, não tenho visto debate de ideias. Mas há pessoas, ainda assim, que de uma forma intelectualizada procuram discutir os problemas – uma ínfima parte que procura sentar-se à mesa com os adversários políticos e discutir os assuntos sem trazer a cor partidária ao de cima.

"Já"- Em Fevereiro há eleições. E esta é, necessariamente, a apreciação de quem vem de fora, naturalmente pouco alicerçada, mas que, de igual modo, também tem a vantagem de não estar comprometida. Digamos que se sente no ar uma vontade de mudança e de que este ciclo de governação se esgotou. E até tenho sentido isso em pessoas que estão na órbita do partido que está no poder.
Ondina Ferreira - Eu comungo de que dois mandatos são q.b., como se diz nas receitas culinárias. É quanto baste, senão começa a alcançar uma conotação anti-democrática. Quando o ciclo do MpD terminou, achei bem – já era altura. Agora, também chega. O PAICV tem de ir para a oposição, isso é bom para a qualidade da democracia.

"Já"- Há poucos dias, Jorge Carlos Fonseca anunciou a sua candidatura à Presidência da República. O que lhe suscita este anúncio, vindo de uma pessoa que é da sua área política?
Ondina Ferreira - Ele já não é estreante nessas lides, tem um perfil adequado e acho saudável que ele volte. É muito importante que surjam bons candidatos, com um perfil bem cuidado, porque esse é o grau de exigência para a figura do Presidente da República. Tem de ser um democrata e, fundamentalmente, estar acima das querelas e da partidarite… Gostei muito do Mascarenhas Monteiro, porque ele estava despido de cor partidária, fez uma Presidência exemplar. É um modelo a seguir."

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